quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Salvando Vidas

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Com o tema “Proteja sua família. Desarme-se”, a Campanha Nacional do Desarmamento busca a mobilização da sociedade brasileira para retirar de circulação o maior número possível de armas de fogo. A entrega voluntária de armas pelos cidadãos é uma orientação prevista no Estatuto do Desarmamento e hoje pode ser feita em mais de 2 mil postos de coleta em todo o Brasil. Além da entrega, a campanha tem o objetivo de conscientizar a população para os riscos de ter uma arma de fogo.
Em artigo publicado no Correio Braziliense, dia 03/01/13, o sociólogo Gláucio Ary Dillon Soares, comprova, por meio de estatísticas realizadas antes e após a implantação do Estatuto do Desarmamento, a importância de políticas públicas que envolvam a participação da sociendade na diminuição da violência.
 
Veja o artigo:
Salvando Vidas
por Gláucio Ary Dillon Soares, (é pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ)
“Quais os efeitos do Estatuto do Desarmamento? Afinal, as mortes por armas de fogo aumentaram, diminuíram ou não mudaram com a Lei nº 10.826/2003? O debate se prolonga até hoje. O referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, também. No Brasil, como nos Estados Unidos e em outros países, um dos pontos mais discutidos e menos demonstrados é o dos efeitos da legislação de controle.
Infelizmente, essa discussão está repleta de afirmações gratuitas. Para chegar a qualquer conclusão válida, precisamos de uma comparação. Comparar o quê? Como era antes do Estatuto e como ficou depois dele. Para fazer essa avaliação, precisamos começar do início; examinando os melhores dados que temos, a que conclusões chegamos?
A primeira, que salta aos olhos, é a de que matamos um grande número de brasileiros com armas de fogo — 806.650 de 1979 a 2010. Equivale a exterminar toda a população de uma capital como Natal ou Teresina. Ou vaporizar as cidades de Caxias do Sul, Canoas e Alegrete, somadas. Ou a matar toda a população de São Leopoldo a cada cinco anos e poucos meses. Por que 1979? Porque foi o primeiro ano para o qual foram compiladas estatísticas nacionais. Por que 2010? Porque foi o último ano para o qual as estatísticas estão completas.
Qual foi a tendência durante esse período como um todo, de 1979 a 2010? Ao crescimento, com algumas variações e mudanças importantes. O número de mortes aumentou 1.152 por ano, a partir de 6.206. Por que a partir de 6.206? Porque as estatísticas começaram em 1979, mas as mortes vieram de muito antes. A interseção é 6.206. O ajuste entre essa previsão e a realidade foi quase exato. Usando essa fórmula, chegaríamos à estimativa de que em 1988 haveria 17.136 mortes; a cifra real foi 16.573, 563 a menos do que o previsto. Os dados de 1979 a 2010 permitem explicar 97% da variância, errando em apenas 3%. As mortes violentas por projéteis de armas de fogo (PAFs) são um fenômeno estável e previsível.
O aumento, não obstante, era na direção daquilo em que se transformou: uma catástrofe do cotidiano que, no fim do período, estava matando perto de 40 mil brasileiros todos os anos.
Estável não significa imutável. Houve alguma modificação nesse ritmo da morte? Houve duas: o número empinou, piorou, a partir de 1999. Em poucos anos, o número anual de mortes aumentou em 8 mil!
Houve alguma melhoria? Houve. Esse aumento e os altos níveis de violência conscientizaram o país e sua elite política de que era preciso mudar. Em 2003 foi promulgado o Estatuto do Desarmamento. As cifras da morte baixaram a partir daí.
Como calcular o efeito do Estatuto? Comecemos com o exemplo de como não calcular o efeito. Se escolhermos um ano ou período particularmente baixo, estaremos viciando a base, aumentando artificialmente a tendência a ver aumentos no número de mortes; se fizermos o contrário, escolhendo um ano ou período com muitas mortes, introduziremos o viés oposto. A fonte de dados com melhor cobertura, a mais usada e a mais testada sobre mortes no Brasil é o Sistema de Informações sobre Mortalidade, o SIM, elaborado anualmente pelo Ministério da Saúde.
Até 1996, exclusive, o SIM usava uma classificação chamada de CID 9; a partir daquele ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a usar o código CID 10, que apresenta algumas diferenças em relação ao anterior. Algumas análises, com muita preocupação com a exatidão, separam os dois períodos. Houve, também, uma campanha que estimulou a população a entregar as armas sob sua guarda. Em 2004, o governo federal lançou a primeira Campanha Nacional do Desarmamento, que, em menos de dois anos, recolheu mais de 450 mil armas de fogo.
Como medir os efeitos do Estatuto e das medidas associadas a ele? Precisamos de um “antes” e de um “depois”. Tomando por base todos os anos do CID 10, vemos que morreram por PAF 26.481 brasileiros em 1996; 27.753 em 1997; 30.211 em 1998; 31,198 em 1999; 34.985 em 2000; 37.122 em 2001 e 37.979 em 2002, ano anterior ao Estatuto. As mortes por PAF aumentaram em mais de 2 mil por ano (2.072) até 2002, inclusive.
Sem modificações como o Estatuto, que previsão poderia ser feita para os anos posteriores à Lei nº 10.826/2003, seguindo a progressão anterior? Seriam, de 2004 a 2010, sucessivamente: 42.123, 44.195, 46.267, 48.339, 50.411, 52.483 e 54.555. Devido ao crescimento observado antes do Estatuto, mais de 200 mil brasileiros seriam mortos pelas armas de fogo.
E com o Estatuto? O crescimento observado baixou dramaticamente, de 2.072 para 203 por ano, salvando mais de 1,8 mil vidas por ano! A prevenção de acidentes, quando feita por pessoas muito bem treinadas e competentes, tem salvo um número incontável de vidas mundo afora. O Brasil está, ainda, engatinhando na virtuosa política de salvar vidas. O Estatuto do Desarmamento foi excelente passo nessa evolução.”
Fonte: Blog do Roberto Moreira

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