A exploração comercial e os trabalhos vendidos a baixo custo por quem não tem tanta técnica prejudicam os criadores
Para o artista José Luciano Maciel, morador de Aracati, descobrir o talento para desenhar com areias coloridas foi encontrar também uma das missões de sua vida FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR
Aracati A natureza pode mudar e até ficar menos bela, mas não nos desenhos com areias coloridas da Praia de Majorlândia. A arte de desenhar a natureza com ela própria chega ao meio século de existência desde as primeiras criações no litoral de Aracati. Ganhou o mundo, mas não com a valorização esperada por seus artesãos.
Nos grandes centros turísticos comerciais do Nordeste, a peça de souvenir custa caro, mas a cor do "preço justo" não chega até os próprios criadores das peças. De uma maneira singular, eles reproduzem paisagens, símbolos e até fotografias. São aplaudidos, admirados e parabenizados. Mas elogio não enche barriga, e barriga seca não colore a alma. E se pudessem colocar a vida numa garrafa de vidro, talvez não existissem tantas cores.
Ao todo, são 12 tonalidades naturais, as outras são coloridas artificialmente. A fonte são as dunas e falésias de Majorlândia. Antônio Marcos, o "Tonico", nunca foi pescador. Porém, como eles, acorda cedo e vai à praia. Ao contrário deles, não olha para o mar, e sim para a praia. Para ondas de areia em diversos tons.
Feito redes de pesca lançadas ao mar, leva as garrafas vazias em busca da matéria-prima. É a rotina de muitos outros artesãos, que podem não ser tantos assim, para uma arte que já dura meio século. São pelo menos 26 "desenhistas" de areia. Contudo, nem todos são como Tonico, que é neto de Joana Carneiro, reconhecida como a pioneira das garrafas multicores nos anos 50.
Na história que corre entre os familiares e moradores da cidade, dizem que a senhora se resolvia com a solidão catando areias coloridas em garrafas, enfileirando cores por trás do vidro. Num descuido, uma das garrafas virou e a mistura de cores pareceu formar um desenho. Foi a luz da criatividade acendendo. Os filhos, netos e bisnetos de dona Joana são, até os dias de hoje, seguidores dessa arte.
Resistência
Tonico, antes mesmo de crescer, já observava o pai e os tios criando os lindos desenhos, enquanto ouvia a história da avó, humilde mulher de pescador que nunca saiu de onde mora e, atualmente, tem o nome correndo pelo mundo. Mais do que isso, tem a mistura de areias coloridas adornando os mais diversos lugares. "A família vai aprendendo e vai levando a arte para os seus descendentes", afirma Tonico, em tom reverente. Entre os anos 80 e 90, a arte em areias coloridas ganhou o mundo. Especialmente turistas europeus faziam encomendas das peças para levar aos seus países, como Itália, França e Alemanha.
Esses conhecem, há muito, o artesanato "made in Aracati". A produção nunca parou, mas a venda é fraca. Mesmo assim, é comum os artesãos estarem na atividade desde criança. Raramente desistem.
Missão
Para o artesão José Luciano Maciel, despontar o talento para o desenho em areias coloridas foi descobrir também uma de suas missões na vida. A outra missão, de acordo com ele, é ensinar a humildade (e desenhos) ao filho Lano, que tem 11 anos.
O menino nasceu vendo o pai engarrafar areia. Como outros da sua idade, após o horário da escola, vai brincar de bola com o sonho de ser um jogador de futebol quando crescer. O pai não quer intervir nos sonhos do garoto, mesmo acreditando que é uma "coisa de fase".
Contudo, não quer ver o menino com notas baixas na escola. Quando isso começou a acontecer, Luciano decidiu ensinar a arte com areias ao filho. "Isso aqui traz disciplina, paciência. Ajuda a pessoa a ser humilde", explica Luciano.
Ele não exige que o filho vire um artesão, mas entende que, se ele souber como o pai coloca o comer dentro de casa, fica mais fácil de um dia ajudar a valorizar a atividade. E nem terá vergonha de dizer que é filho de artesão. Aos sábados, Luciano monta a sua mesa na Praia de Majorlândia, em Aracati. O filho observa a movimentação atenciosamente e ajuda ao pai em um ou outro favor.
Preços
Logo cedo chegam levas de turistas, a maioria do Ceará e do Rio Grande do Norte, que, embora em menor escala, também produz esse tipo artesanal. As peças variam de R$ 3 (um chaveirinho) a R$ 100 (garrafa de 1,5 litros com desenhos bem detalhados). O modelo tradicional, uma garrafinha que cabe na palma da mão, pode ser comprada por R$ 10. Os atravessadores chegam a vender por R$ 40 em outros Estados.
Não bastasse a concorrência com a exploração comercial, os artesãos de Majorlândia encontram outra areia no meio do caminho. Os desenhos pouco elaborados e esteticamente primários, vendidos a baixo custo, estão prejudicando o trabalho de quem produz materiais com mais detalhes.
"Eu faço uma peça a R$ 12 e, do mesmo tamanho, tem gente que faz desenhos sem muita elaboração e vende a R$ 7, não valoriza o próprio trabalho e prejudica o nosso", destaca Antônio Marcos, neto da criadora da arte de desenhar com areia.
Acredita-se que a primeira pessoa a produzir desenhos com areias coloridas em Aracati foi Joana Carneiro, ainda na década de 1950
Entre os anos 80 e 90, a arte em areias coloridas produzidas na cidade ganhou o mundo, haja vista a compra por turistas de diversos países
CiclogravuraObra teria se iniciado no CE
Chama-se ciclogravura a produção artesanal de desenhos com areia colorida em garrafas. A história tradicional aponta Joana Carneiro como a iniciadora do engarrafamento de areias coloridas para fazer desenhos.
Há outros registros que apontam a existência da atividade em países árabes, como a Jordânia, mas não é possível dizer se lá começaram, uma vez que as areias naturalmente coloridas são mais encontradas no litoral de Aracati. Antes, as figuras eram simples, apenas variações geométricas de cores sobrepostas.
Depois a atividade foi aperfeiçoada pelos próprios filhos de dona Joana. Antonio Carneiro, o "Toinho da areia colorida", é o filho mais conhecido a seguir a arte desbravada pela mãe. Mesmo idoso, ainda desenha e também cria belas esculturas nas areias das falésias, o que chama a atenção de quem passa pelo lugar. Paisagens do litoral são a ilustração mais comum nas garrafas (também são usadas taças, tulipas e copos de vidro). Para uma paisagem em garrafa de 15 centímetros, leva-se até duas horas de produção. No caso de reprodução de fotografia, a obra leva até cinco dias para ficar pronta. Os artesãos com mais técnica desenham com traços finos e direito, até com sombreamentos. Os artesãos de areia podem ser facilmente encontrados na vila da praia de Majorlândia, no Município de Aracati, no Vale do Jaguaribe.
Desde sua criação, essa obra é bastante difundida aqui no Nordeste, principalmente no Rio Grande do Norte e Ceará, berço de seu criador, onde diversos artesãos ganham seu sustento com a produção e venda dessas peças. Seus principais pontos de vendas são os quiosques próximos às praias, em mercados de artesanatos, centros turísticos etc., além de serem exportadas para o centro-sul do País e até mesmo para o exterior.
Centro de vendas pode ser a soluçãoAracati A relação concreta do artesanato com o apoio se dá por meio da clientela. Quem não apenas compra, divulga entre os amigos a arte, para estimular e valorizar a atividade nos povos do mar. Os artesãos reclamam dos preços injustos e levam uma vida financeiramente difícil, mesmo sendo detentores de uma atividade que exige uma grande técnica.
Está em discussão a reativação da Associação dos Artesãos de Areia de Majorlândia. Querem encontrar uma forma de captar recursos e criar um centro de vendas, de Aracati para o mundo, sem a participação de atravessadores. Será também uma forma de buscar a produção mais sustentável, sem prejudicar as falésias.
Existem pelo menos 26 artesãos de areia em Aracati. A vila praiana de Majorlândia é o maior reduto. Foi lá também que nasceu Joana Carneiro, idealizadora da arte, conforme seus familiares. A prática se espalhou e não é difícil localizar onde mora um artesão de areia na região.
Nos fins de semana, principalmente, boa parte está na praia expondo, vendendo e fazendo o que o cliente pede. A turista Natália Costa encomendou uma obra e, na mesma manhã, recebeu a taça de vidro com a paisagem do litoral cearense desenhada em areia e com seu nome inscrito.
Valorização
O trabalho foi feito por Paulo Mendes de Sousa, outro artesão. Ele tem 34 anos, mas há quase três décadas lida com areia colorida. Um dia foi brincando, até crescer e viver disso. "Às vezes, as pessoas não entendem e reclamam quando a gente cobra, não valorizam o trabalho. Não é qualquer um que faz", pontua.
Os artesãos de areia produzem e vendem cada um ao seu modo. O trabalho é individual desde a extração de argila e areia, próximo às dunas e falésias. Essa prática deixa de "orelha em pé" ambientalistas e alguns moradores. Isso porque as falésias são construções naturais existentes há mais de um milhão de anos, e a extração irregular pode comprometer a própria fonte de matéria-prima dos artesãos. Por isso, além das 12 tonalidades naturais, eles agora investem na coloração artificial.
Para os fundadores, o associativismo pode estimular a produção regular e, especialmente, a valorização da atividade. Seria um centro de vendas não só para reunir as peças em Majorlândia, mas para vender as obras para todo o mundo, inclusive na internet. Tudo administrado pelos próprios artesãos.
A reportagem encontrou no site de compra e venda Mercado Livre uma peça similar às produzidas em Majorlândia, vendida pelos próprios artesãos ao custo de R$ 10. Na Internet, um vendedor de São Paulo oferece a peça por R$ 50. Os produtos também são encontrados a preços inflacionados em Fortaleza, bem como em aeroportos.
Diversidade12
tonalidades naturais de areia são utilizadas pelos artesãos da Praia de Majorlândia. Eles também trabalham com cores artificiais. São cerca de 26 artistas na região
Nota do Blog - Em Tibau/RN, a arte das areiras coloridas já quase não existe, por um lado as construções irregulares nas áreas de preservação permanente, onde pode ser encontrado as areias nas suas mais diversas cores , por outro, a falta de incentivo ao turismo bem como aos artistas locais.
Hoje pode-se observar uma grande construção sendo erguida em cima do morro, sem nenhuma placa de identificação da prefeitura ou do Ibama ( orgão responsável pela preservação da área.
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